terça-feira, 30 de janeiro de 2007

desvios nas leis de incentivo

Foge um pouco do nosso tema mas, em certo sentido, diz muito respeito à música erudita também. No "Caderno 2" de hoje, Jotabê Medeiros mostra como artistas consagrados da MPB – Caetano Veloso, Beth Carvalho, Ana Carolina, Maria Bethânia, Carlinhos Brown, etc – estão fazendo uso das leis de incentivo à cultura para bancar seus CDs e DVDs, além das respectivas turnês de lançamento. Uma vez inscrito na lei de incentivo, um determinado projeto pode tentar junto à iniciativa privada o dinheiro necessário para sua realização – e a empresa, por sua vez, desconta o valor investido do imposto a ser pago no fim do ano. Estamos, portanto, falando de dinheiro público, que sai dos nossos impostos. A questão é simples: artistas que se sustentam bem dentro do mercado (o último cd de Ana Carolina foi o mais vendido de 2005, por exemplo) precisariam de dinheiro público para sobreviver? É justo colocar lado a lado na hora de correr atrás das empresas um artista consagrado, de grande público, como Caetano, e outros grupos menores, sejam eles ligados à música, teatro, cinema, visuais, enfim? Os casos mostrados na matéria são apenas novas provas de que, do jeito que estão, as leis de incentivo transferem à iniciativa privada a decisão do que deve ou não acontecer na cultura do País – e, ainda pior, eles fazem isso usando dinheiro que, no final das contas, é público.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2007

charles wuorinen no nyt

Charles Wuorinen, autor de uma versão operística de “Haroun”, livro de Salman Rushdie, encenada há dois anos no Teatro São Pedro, ganhou perfil na edição de ontem do "New York Times". Aparentemente, o compositor caiu nas graças do maestro James Levine, diretor do Metropolitan Opera, de Nova York, e da Sinfônica de Boston. O texto, assinado por Steve Smith, também trata da relação do maestro com a música contemporânea, mostrando quais são os seus eleitos em meio ao cenário da composição atual. Para ler, clique aqui.

salonen em londres

Outro maestro que está de malas prontas para ir viver parte do ano em Londres é o finlandês Esa-Pekka Salonen, atual diretor da Filarmônica de Los Angeles. Também compositor, ele assume em junho a Philarmonia Orchestra. E conversou sobre isso com o jornalista Nicholas Wroe, do "Guardian". Durante o papo, ele diz que uma das condições que colocou para aceitar o posto foi o comprometimento por parte da orquestra de, com ele, “procurar por novas maneiras de levar adiante a causa da música clássica”. Se você quiser saber como, clique aqui.

gergiev em londres

Após alguns cancelamentos, que não pegaram bem com a imprensa e o público britânicos, o maestro russo Valery Gergiev fez na quinta-feira à noite sua estréia como diretor artístico da Sinfônica de Londres. Sobre ela, escreveu Hugh Canning, do "Sunday Times". Para ler, clique aqui.

entrevista com ira levin

Outra orquestra que ganhou novo diretor, o maestro Ira Levin, foi a Sinfônica do Teatro Nacional Cláudio Santoro, em Brasília. A notícia já havia sido dada aqui mas agora reproduzo uma pequena entrevista que fiz com ele, publicada na edição de hoje do “Caderno 2” do Estadão:
O maestro Ira Levin é o novo diretor artístico e regente titular da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, em Brasília. Ex-diretor da Sinfônica Municipal de São Paulo, cargo que ocupou de 2002 a 2005, Levin afirma que pretende levar a orquestra em direção a um novo repertório – e recai sobre ele a esperança de devolver ao conjunto lugar de destaque dentro do panorama orquestral do País. “A situação que encontrarei aqui será em muitos sentidos parecida com a que encontrei ao chegar em São Paulo em 2002”, diz o maestro ao Estado. “Será importante desafiar a orquestra, fazê-la enfrentar um repertório mais amplo e iversificado. Acredito que, pela primeira vez em muitos anos, ela terá uma programação longa e variada, o que vai exigir muita disciplina e trabalho duro de todos os envolvidos, inclusive da minha parte.” Levin passa a ocupar o posto que até o final de 2006 era do maestro Sílvio Barbato, também regente titular da Sinfônica do Municipal do Rio. A escolha de seu nome foi feita pelo governador Roberto Arruda e pelo secretário de Cultura Silvestre Gorgulho. “Para eles é fundamental a idéia de que a capital do País precisa ter uma orquestra de nível internacional”, diz o maestro. E, para que isso aconteça, pretende introduzir uma série de obras novas para o conjunto e já planeja ciclos de compositores como Haydn, Bruckner, Mahler e Sibelius, de quem pretende fazer, em setembro, mês do 50º aniversário da morte do compositor, a estréia no Brasil da Sinfonia Kullervo. "Os aniversários de Camargo Guarnieri, Villa-Lobos e Tom Jobim também serão lembrados, da mesma forma que acredito na importância de tornar rotina a interpretação de obras de autores brasileiros vivos”, completa o maestro, que afirma estar trabalhando em uma temporada que leve a Brasília os principais regentes e solistas do País. “E, estando na capital brasileira, vamos tentar também trabalhar com as embaixadas tendo em vista possíveis intercâmbios de artistas e de projetos.” Mesmo sem ter programado óperas para 2007, Levin garante que o gênero será uma de suas prioridades durante a estada em Brasília.

ricardo castro assume osba

Voltando de Salvador, onde passou o fim de semana realizando a cobertura do Festival de Verão, Lauro Lisboa Garcia, meu colega no "Caderno 2", traz a informação de que o pianista Ricardo Castro é o novo diretor da Orquestra Sinfônica da Bahia. Não estava sabendo da informação, mas fui olhar na internet e encontrei, no site Viva Música, da Heloísa Fischer, uma entrevista da semana passada em que ele fala de seus planos para a orquestra. Para ler, clique aqui. A propósito, o Teatro Castro Alves também tem novo diretor, o arquiteto e artista plástico Moacyr Gramacho. Mais informações, clique aqui.

a eterna polêmica dos direitos autorais

De cara eu aviso que no final do post vai surgir uma pergunta para a qual não tenho resposta. Se toco no assunto é porque se trata de um tema que considero importante. Fiquei sabendo outro dia que a Algol Editora, que lançou um livro/CD com canções de Carlos Gomes no fim do ano passado, tinha o plano de lançar no primeiro semestre um disco com canções brasileiras interpretadas pelo barítono Rodrigo Esteves. Quem já ouviu a voz do Rodrigo sabe que a idéia parece extremamente promissora. No entanto, o projeto foi arquivado por conta dos herdeiros dos compositores – só a família do Hekel Tavares, por exemplo, queria R$ 1.500 por uma canção (a tiragem deveria ser de mil discos; se fosse maior, o preço aumentaria). Em 2002, quando lançou um disco com canções suas, o compositor Osvaldo Lacerda precisou guardar uma série de faixas por conta do valor pedido pelos herdeiros de poetas como Cecília Meirelles e Drummond, autores dos poemas musicados. Há alguns anos, a família de José Siqueira quis cobrar uma taxa para que o diretor Wlater Neiva pudesse apenas olhar a partitura da ópera “O Auto da Compadecida”. A questão é complicada. Músicos brasileiros, quando conseguem gravar um disco, não é sem dificuldades, que vão desde a escolha de um local adequado de gravação até a distribuição, passando pelo confecção dos discos e, claro, o preparo cuidadoso da interpretação. Estão, com seus discos, divulgando compositores pouco conhecidos, que tem pouco espaço. Ao mesmo tempo, os herdeiros têm o direito de cobrar por aquilo que legalmente lhes pertence. Como um pai que morre e deixa aos filhos uma casa ou apartamento, o artista deixa como legado e herança as suas obras. E, se um filho pode cobrar aluguel de um apartamento, por que não poderia cobrar aluguel de uma partitura? Ou, por estarmos falando de arte, as regras deveriam ser diferentes? Será que é justo dizer, como eu fiz no começo do post, que a culpa do projeto da Algol estar sendo arquivado é da família do compositor ? Em um mundo ideal, artistas teriam condições e apoio para pagar todos os direitos e as famílias, por sua vez, recebendo freqüentemente por este material, poderiam abrir exceções vez ou outra. Bom, obviamente não vivemos em um mundo ideal. E, no nosso mundo, restam duas opções – preserva-se o direito autoral e enterra-se a possibilidade de tornar o compositor mais conhecido ou sua música torna-se mais difundida, só que às custas de desagregar do compositor o valor financeiro de sua produção, ao qual ele deve ter direito. Qual a melhor opção? Ou há uma terceira alternativa? Fica a discussão.

domingo, 28 de janeiro de 2007

misturaram os takes?

Do Lauro: O fã clube de Renata Tebaldi anda agitado com uma história referente à última gravação comercial da diva – o "Baile de Máscaras" de 1970, para a Decca – que anda circulando na Internet. Quem conhece essa gravação – com Luciano Pavarotti, em início de carreira, Sherrill Milnes, Helen Donath e a veterana Regina Resnik – sabe que realmente La Tebaldi e Resnik não estão na sua melhor forma. Até mesmo os admiradores mais fanáticos da soprano acabam tendo de admitir que essa última gravação nada acrescenta à sua glória. A versão que corre, agora, é que, na hora de fazer a mixagem, alguém inadvertidamente misturou os takes bons, aprovados pelos cantores, com os takes ruins, destinados a ficar guardados nos arquivos da Decca. As más resenhas recebidas pelo álbum de Lp fizeram a Decca se dar conta do erro – que aborreceu muito a Tebaldi – mas admiti-lo teria sido humilhante. Teria sido, porém, encontrada uma solução de compromisso: retomar os takes “bons” e utilizá-los na remasterização do álbum em CD. Não conheço esse novo álbum – o meu era o das antigas bolachas pretas e há muito tempo não o ouço, pois nem tenho mais o toca-discos para 33rpm – mas quem está fazendo a história circular na Internet garante que há uma diferença visível de qualidade de um para outro. Alguém possui esse Ballo em CD? E, nesse caso, o que tem a dizer a respeito dele?

sexta-feira, 26 de janeiro de 2007

de terno e gravata

O Scala de Milão criou um código de vestimenta para o seu público. Cartazes colocados nas entradas do teatro avisam: os homens devemùsar terno e gravata e, das mulheres, espera-se que se vistam “com o decoro adequado”. A decisão foi tomada pelo diretor artístico do Scala, Stéphane Lissner. E, claro, gerou polêmica. Para o dramaturgo Dario Fo, Prêmio Nobel de Literatura, “ficou claro que o Scala prefere ser freqüentado por apenas uma certa parcela da população e, com esta medida, exerce uma forma de discriminação”. Já o maestro Riccardo Chailly aplaudiu a iniciativa pois, segundo ele, “um prédio histórico como o Scala precisa ter um público que saiba honrá-lo”.“Na Holanda só falta as pessoas irem ao teatro de roupa de baixo”, disse. O Scala não quis comentar as reações. Reforçou apenas que o código é uma sugestão – e que ninguém será barrado na porta por não estar vestindo terno e gravata.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

agora como barítono

Outro dia o Lauro comentou aqui no blog sobre a longevidade - e a diversidade - da carreira do tenor Plácido Domingo. Bom, para completar a história, notícia fresquinha do escritório de Nova York da Associated Press: "O tenor Plácido Domingo agora vai atacar de barítono, cantando o personagem-título de 'Simon Boccanegra', de Verdi, na Ópera Estatal de Berlim em 2009. Segundo a edição de fevereiro da revista “Opera” britânica, já estão previstas também apresentações no Scala de Milão e no Covent Garden, em Londres".

terça-feira, 23 de janeiro de 2007

o municipal em 2007

O Estadão publicou hoje uma entrevista que fiz no fim da semana passada com o maestro Jamil Maluf sobre os planos para 2007 do Teatro Municipal. Ele falou sobre a reforma do palco e da fachada, sobre a programação e, mais importante, sobre o projeto de transformação do teatro em uma fundação. Para ler, clique aqui. Uma vez na página, você encontra outro link para a a programação completa. Mas, se preferir ir direto para a lista de concertos do primeiro semestre, clique aqui.

segunda-feira, 22 de janeiro de 2007

família de hekel tavares ganha processo

No portal do Estadão: "A família do compositor Hekel Tavares ganhou em definitivo o processo contra o cantor e compositor Raimundo Fagner. O Superior Tribunal de Justiça deu ganho de causa em definitivo aos Tavares, que tiveram sua canção Você copiada e editada por Fagner com o título de Penas do Tiê. O nome de Hekel foi omitido e a canção lançada no primeiro disco do cantor cearense, em 1973." Para ler mais, clique aqui.

entrevista com o tenor marcello giordani


O tenor siciliano Marcello Giordani teve sua primeira grande oportunidade no final dos anos 80 durante um Rigoletto no Festival de Spoletto, na Itália, ao qual se seguiram apresentações em todo o mundo. Mas, há alguns anos, os agudos começaram a quebrar, ele sentia dificuldade em manter o fôlego e foi forçado a se afastar dos palcos. “Meu treinamento era muito ruim”, diz ele, agora de volta ao palco do Metropolitan, em entrevista ao jornalista Matthew Gurewitsch, do "New York Times".

nero, tchaikovski e stravinski

Três interessantes artigos na página do jornal britânico “The Guardian”. Tim Ashley, a partir de uma montagem da “Agrippina” de Haendel na ENO, escreve sobre a maneira como o mundo da ópera recriou a figura de Nero. Já Tom Service faz um amplo painel da música de Tchaikovski à medida em que a BBC se prepara para transmitir suas obras completas. Por fim, John Taverner, a propósito de uma série de concertos da Sinfônica de Londres dedicados à Stravinski, fala da maneira como o compositor russo influenciou o seu trabalho como compositor.

homenagem a christa ludwig

José Carlos Neves acaba de criar um site dedicado à meio-soprano Christa Ludwig. Para quem gosta dela (estou supondo que exista um ou outro infiel que não goste...), é uma boa dica: lá você encontra o áudio de uma entrevista em que ela fala de Maria Callas, outra em que ela e o barítono Walter Berry (com quem foi casada) falam sobre o maestro Karl Böhm; arquivos de áudio com canções de Mahler (James Levine ao piano) e trechos de óperas; textos e ensaios sobre ela, etc, etc, etc. Aliás, ainda sobre Christa Ludwig: outro dia assisti um DVD com o concerto de gala que marcou os 50 anos da reabertura da Ópera de Viena após o fim da Segunda Guerra Mundial. Vários solistas importantes, maestros e, no palco, ao lado da orquestra, tinha um grupo de senhores e senhoras sentados. Quando a câmera filmava, dos bastidores, os cantores deixando o palco dava para ver que todos paravam para cumprimentar uma dessas senhoras que, de costas, ficava irreconhecível. Duas horas de concerto depois, fiquei encucado em saber quem era a figura. E, passando a imagem devagar, vi que era a Ludwig. Bem que eles podiam identificá-la, não? Ô deselegância... Enfim, o que importa mesmo aqui é o site do José Carlos Neves. Vale a leitura.

entrevista com deborah voigt

No "Caderno 2" do Estadão de hoje a tradução de uma entrevista concedida pela soprano norte-americana Deborah Voigt. Depois de perder 60 quilos devido a uma cirurgia de redução de estômago, ela fala sobre a nova etapa de sua carreira. O texto segue abaixo.

Deborah Voigt: a maior das divas dramáticas retoma a carreira
Dois anos após a polêmica sobre seu peso, com a agenda lotada e o mesmo bom humor,
por Sharon McDaniel, de West Palm Beach

Ela é considerada a principal soprano dramática do mundo. Uma estrela do mercado fonográfico. Favorita entre os solistas do Metropolitan de Nova York. A diva entre as divas. E mesmo aqueles que não seguem a ópera sabem de sua batalha pela perda de peso e uma cirurgia de redução do estômago. Falar com a soprano Deborah Voigt sobre todos esses temas é um prazer. Ela se recusa a se levar demais a sério, então, risos e piadas sempre aparecem em uma conversa que vai de sua carreira ao carro rosa de seu pai, passando por sua vida amorosa. Há dois anos, Voigt foi flagrada em meio a uma polêmica envolvendo seu peso – foi cortada de uma produção de "Ariadne auf Naxos", de Strauss, no Covent Garden, em Londres, por estar, segundo a direção artística, “acima do peso”. Meses depois, fez uma cirurgia e perdeu cerca de 60 quilos. Hoje, aos 46 anos, a soprano nascida em Chicago está em alta, com convites para interpretar os complicados papéis de soprano dramática de Wagner e Strauss. Estréia em março no Metropolitan de Nova York uma nova produção de "Die Agyptische Helena", feita especialmente para a soprano que, em 2010, será Brünhilde na nova produção do "Anel do Nibelungo" preparada pelo teatro. Enquanto isso, ela viaja em turnê de promoção de seu novo disco, dedicado a canções de autores norte-americanos

Você tem viajado o mundo interpretando papéis pesados de Wagner e Strauss. Como manter o equilíbrio da voz ou mesmo algum tempo livre?
Ainda não sei ao certo. No momento, acho que ainda não encontrei esse equilíbrio! Mas isso acontece de tempos e tempos e é um dos problemas desta profissão. Planejamos nossa carreira com tanta antecedência que fica difícil saber como você vai estar se sentindo em um dia específico daqui a três, quatro, cinco anos. E, mesmo quando você tem alguma folga, tem de gastá-la preparando-se para o próximo concerto.
Como você acha que sua voz mudou depois da cirurgia?
Bem, eu sabia, ao decidir fazer a cirurgia, que qualquer mudança mais profunda em nosso corpo sempre afeta a maneira como a voz soa. Então estava preocupada não apenas com a cirurgia em si, mas com os meses que se seguiriam. Às vezes me sinto melhor e mais em controle do que em outros momentos. É um processo de aprendizado e talvez não seja ruim que eu o esteja vivenciando. Quando já se tem alguns anos de carreira, é bom reavaliar e repensar a maneira como sua voz está funcionando, qual o melhor repertório para você, se ele é o mesmo de dez anos atrás e se será o mesmo daqui em diante.
Houve momentos em que você sentiu a voz um pouco hesitante?
Eu a sinto assim ainda hoje, mesmo dois anos depois da cirurgia. Então, sim, houve momentos em que me senti bastante insegura no palco no que diz respeito ao suporte da respiração, pelo menos bem mais insegura do que me sentia antes de perder todo aquele peso. Mas qualquer coisa pode afetar a voz e a maneira de cantar, às vezes de um dia para o outro, seja por conta da temperatura ou porque você brigou com seu namorado.
Você viveu na Europa, mas mudou-se para Vero Beach, na Flórida. Por quê?
Bem, tudo começou por causa de um cara... Estava namorando alguém que vivia aqui. Então, sempre que tinha um tempo livre viajava para cá. Com o tempo, acabei me apaixonando pela comunidade. Passo a maior parte da minha vida em grandes metrópoles, assim, poder estar em um lugar no qual a única preocupação é decidir a que horas eu vou para a praia, em vez de estar sempre correndo de uma reunião para outra, de um ensaio para uma exposição, enfim, foi uma boa mudança para mim. Mas, enfim, no começo, foi por causa de um cara... E, quando a relação terminou, pensei: eu realmente gostei da tranqüilidade, então, por que não me mudar? Normalmente, uso o aeroporto de Orlando como ponto de saída e chegada. E à medida que pego o carro e começo a viagem para Vero Beach, a cabeça já vai relaxando.
Na última edição da revista Opera News você aparece na capa ao lado de um carro antigo, rosa, um DeSoto de 1956. Você é daquelas fanáticas por carros?
Não, aquele é o carro de meu pai. Na verdade, só conheci o carro no dia em que tirei a foto. Quando era criança, meu pai tinha um desses. E a gente viajava pelo interior com ele. E, hoje, ele conseguiu comprar o carro de volta e restaurá-lo, devolvendo a ele sua beleza e charme originais. E agora ele está pensando em colecionar carros, apesar de ele não ter muito idéia de como funciona.
E você, compartilha essa fascinação por coleções?
Não muito. Durante um tempo, estive muito interessada em porcelanas e cristais. Mas, depois, me dei conta que essas são coisas com as quais é impossível viajar mundo afora. E, como não estou nunca em casa, não faz muito sentido manter uma coleção, né?
Depois da capa da Opera News, você recebeu um prêmio especial oferecido pelo Metropolitan Opera Guild. Surpresa ou fruto de trabalho duro?
Bom, eu realmente tenho trabalhado bastante. Mas não deixa de ser uma surpresa. E uma honra, claro. O grupo de que faço parte (a soprano Renata Scotto, o maestro James Levine e o baixo René Pape) é um grande grupo. Scotto foi uma das primeiras divas com quem trabalhei e foi ela quem dirigiu a minha primeira Tosca. Não é possível medir o respeito que tenho por ela.
Suas escolhas recentes de repertório são pouco usuais. Como explicá-las?
Bem, Salomé, de Strauss, é a adição mais recente ao meu repertório, eu a interpretei em outubro de 2006. É um papel que já havia feito em versão de concerto, cheguei até a gravar a cena final. Mas nunca imaginei que faria o papel no palco, então, para mim foi uma surpresa o convite – e o resultado também! Espero poder voltar a fazê-lo.
"Die Agyptische Helena" é muito pouco encenada, a última montagem no Met é de 1920. Foi uma surpresa a decisão do teatro de criar uma nova produção?
Não, de modo nenhum, eu é que pedi a eles... Espero que dê certo! É um outro fabuloso papel para soprano escrito por Strauss, que escrevia melhor para a voz feminina do que a maioria dos compositores que costumo cantar. Ela é um papel-título – e nós, divas, adoramos figuras como ela. E há quem a considere a mulher mais bonita do mundo.
O que você gostaria de fazer e ainda não conseguiu?
Gostaria realmente de explorar mais a música de cabaré americana, além de todo o repertório de musicais. Criei um problema de agenda para mim mesma - e não sei se vou ter tempo de fazer isso. Mas, se eu pudesse, gastaria bastante tempo nessa área.

ainadamar, de golijov

Do Lauro: Em sua matéria sobre Tan Dun, citada em um post recente, Anthony Tommasini menciona que a próxima encomenda do Metropolitan será feita ao argentino Osvaldo Golijov, um compositor com nome em ascensão. No selo Deutsche Grammophon, você encontra a gravação de “Ainadamar”, a ópera responsável pelo seu prestígio atual. Encomendada pelo Festival de Tanglewood, depois do sucesso, em Boston, de “La Pasión de San Marcos”, um drama da Paixão cantado e dançado, ela estreou ali em agosto de 2003 (o disco da DG traz o elenco dessa estréia, com Dawn Upshaw e Robert Spano à frente da Orquestra de Atlanta). “Ainadamar” (Fonte das Lágrimas) é o nome que os mouros deram ao local onde o poeta Federico García Lorca. A ação passa-se em um teatro de Montevidéu, na década de 1960. Antes de entrar em cena para interpretar “Mariana Pineda”, a grande atriz catalã Margarita Xirgù relembra a morte de Lorca, e o histórico espetáculo de 1927, com cenários de Salvador Dali, em que a criação do papel de Mariana a tornou célebre. Reviver a dolorosa experiência da morte do amigo a leva à conclusão de que ter sobrevivido àquele período trágico lhe permitiu continuar mantendo vivo o legado do poeta. Golijov mistura à música sons pré-gravados de água, sons da natureza e, na cena do fuzilamento, estampidos de fuzil usados como instrumentos de percursão. É uma partitura de tonalismo livre – como tem sido comum nesta fase pós-moderna de contestação ao serialismo ortodoxo – à qual ele funde traços de flamenco e rumba (no momento em que Xirgù relembra a sua juventude), além da citação das baladas folclóricas espanholas harmonizadas por Lorca. Ele faz, em especial, um uso dramaticamente muito expressivo de “¡Qué día tan triste em Granada!”. A ópera fez um sucesso enorme em Tanglewood e eu me lembro que, na época, Alex Ross, do “New York Times”, fez dela uma resenha entusiástica. Dela para cá, foram muito bem recebidas as “Ayres” de Golijóv – a harmonização de canções de diversas procedências, no estilo das “Canções Folclóricas”, de Luciano Berio – e o “Yiddishebuk”, um ciclo de canções baseadas em poemas judeus escritos em iídiche.

em campinas

Ira Levin foi convidado para reger o concerto de abertura da temporada de 2007 da Sinfônica de Campinas. Mozart e Beethoven foram os autores escolhidos para a apresentação do dia 10 de março, repetida no dia 11. Na primeira parte, a abertura do Idomeneo e o Concerto nº 24, para piano e orquestra (de que Levin será também o solista). E na segunda parte, a abertura Leonora nº 1 e a Sinfonia nº 8. Levin voltará a reger a Sinfônica de Campinas, nos dias 19 e 20 de maio, num concerto que terá, na primeira parte, a música incidental completa da Rosamunde, de Schubert; e, na segunda, a Berceuse élégiaque, de Ferruccio Busoni, e a Sinfonia nº 2, de Kurt Weill (ambas, salvo engano, em primeira audição no Brasil).

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

entrevista com gustavo dudamel

Há cinco anos, durante as provas latino-americanas do concurso de regência de Lorin Maazel, no Municipal de São Paulo, conversei com um candidato venezuelano de 20 anos, que dizia estar “nervoso demais” para subir ao palco e ter que reger “com um monstro da regência como Lorin Maazel ali do lado, olhando para mim”. Ele, que se chamava Gustavo Dudamel, acabou se qualificando para a final do concurso, mas não ouvi mais seu nome. Agora há pouco, no entanto, encontro no “Los Angeles Times” uma longa entrevista com Dudamel. Chris Kraul, correspondente do diário americano em Caracas, relembra que ele é fruto do programa de jovens orquestras bancado pelo governo da Venezuela – até agora, 250 mil estudantes já receberam aulas gratuitas de instrumentos e de regência. O contrabaixista Edicson Ruiz, de 17 anos, também formado no programa, tornou-se recentemente o mais jovem integrante da Filarmônica de Berlim. Mas desse universo, Dudamel talvez seja o nome mais expressivo. Após vencer diversos concursos internacionais, foi apadrinhado por nomes como Simon Rattle, Daniel Barenboim e Claudio Abbado. Já regeu orquestras como as filarmônicas de Los Angeles e Israel e em teatros como o Scala, onde dirigiu um “Don Giovanni” no ano passado; em 2007, faz sua estréia à frente da Filarmônica de Nova York e leva seu conjunto venezuelano para os festivais de Salzburgo e Lucerna. De quebra, assinou contrato exclusivo com a Deutsche Grammophon e, com a Orquestra Símon Bolivar, já lançou um CD com a “Quinta Sinfonia” de Beethoven, comentado também em matéria especial da “Grammophone” de dezembro dedicada ao compositor. Tentei colocar o link do site do “LA Times” aqui – acesso restrito. Mas encontrei o texto reproduzido em um site dedicado ao maestro Claudio Abbado. Para ler, clique aqui.

ira levin assume teatro nacional

A edição de hoje do “Correio Braziliense” anuncia que o maestro Ira Levin será o novo regente titular da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro (OSTNCS), em Brasília, substituindo Sílvio Barbato, exonerado no início do mês. O texto, assinado pela jornalista Nahima Maciel, avisa no entanto que o “maestro ainda não fala sobre a nomeação nem sobre planos para a orquestra”, porque ainda “aguarda a publicação do ato no Diário Oficial do Distrito Federal”. Segundo a matéria, a orquestra vive momento complicado: “Ira Levin vai encontrar uma orquestra um tanto desgastada pelas incertezas do final da passagem de Sílvio Barbato, exonerado no início de janeiro. Em dezembro, o grupo teve pelo menos três concertos cancelados por falta de ensaios com o então maestro titular e outros impedimentos administrativos”, diz o texto. Ainda de acordo com a jornalista, “o nome de Levin é bem aceito por parte da orquestra, mas há quem questione o fato de ser estrangeiro e a rigidez disciplinar que costuma imprimir por onde passa”. “As pessoas têm medo porque dizem que ele é carrasco. Quem tem medo é porque ele vai exigir o normal que um maestro exige. Nossa orquestra está um pouco viciada. Mas é um bom maestro e fez trabalho muito bom em São Paulo. Do jeito que estava, não dava mais. Tem que ter uma melhora”, disse ao Correio um integrante da orquestra, que preferiu não se identificar.

mais uma estréia de domingo

Do Lauro: Plácido Domingo, à beira de fazer 67 anos, vai estrear o 127º papel de sua carreira. Em abril, a Washington National Opera, que ele dirige, vai encenar "Tamerlano", de Haendel. E ele fará o imperador otomano Bajazet, um dos grandes papéis haendelianos para tenor, um tipo de registro que, no Barroco Tardio, era geralmente reservado a personagens secundários. Apesar da idade, tem condições de se sair bem, pois Bajazet foi escrito para Francesco Borosini, um tenor de timbre abaritonado que pode ser considerado precursor à distância do tenore di forza, e a parte não exige coloratura muito elaborada. O autor do artigo na revista "Playbill", que deu a notícia, afirmou que será o primeiro papel barroco de Domingo. Na realidade, em 1966, ele fez Hipólito, numa produção da Ópera de Boston de Hippolyte et Aricie, de Rameau. Na época, esse era seu 21º papel e a soprano com quem ele cantava era Beverly Sills. Mas realmente importante é registrar a longevidade desse artista que não se limita a repertório tradicional: ele acaba de estrear "O Primeiro Imperador", de Tan Dun; no ano passado, cantou no Metropolitan o "Cyrano de Bergerac" de Franco Alfano; antes disso, tinha feito, no mesmo teatro, o Sly de Wolf-Ferrari; e, em 2003, estreou em Los Angeles o papel de Grigóri Raspútin, no "Nicholas and Alexandra" de Deborah Dratell.

colaborador ilustre

O acordo é o seguinte: de vez em quando, o nosso amigo Lauro Machado Coelho vai me passar alguns comentários que ele queira compartilhar conosco para colocar aqui no blog. Começamos com a nota que segue no próximo post, sobre Plácido Domingo.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2007

belo horizonte sob nova direção

À frente do Instituto Cultural Orquestra Sinfônica de Minas Gerais desde meados do ano passado, Lúcia Camargo agora é a nova presidente da Fundação Clóvis Salgado, de Minas Gerais, que engloba, entre outros espaços, o Palácio das Artes, casa mineira da ópera e dos concertos. A nomeação é a primeira substituição efetuada na segunda gestão da secretária Eleonora Santa Rosa. Amanhã, Lúcia Camargo dá coletiva de imprensa em Belo Horizonte para anunciar seus projetos. Para quem não se lembra, ela foi diretora do Teatro Municipal de São Paulo durante a gestão da prefeita Marta Suplicy.

banda sinfônica em 2007

O casamento entre a Banda Sinfônica do Estado de São Paulo e o maestro Abel Rocha foi um dos mais feliz da história recente da música paulistana - ou mesmo brasileira, por que não? Lançaram uma temporada de assinaturas, mostraram como pode ser rico e variado o repertório destinado a uma banda sinfônica, seguiram encomendando novas obras, processo que culminou com a estréia da ópera “A Tempestade”, de Ronaldo Miranda, no ano passado (clique aqui para ver trechos da obra no You Tube). Agora, eles lançam a temporada 2007. Estão de mudança – deixam o Teatro Sérgio Cardoso e passam a se apresentar no Teatro Cultura Artística. E, entre as novidades, está a criação do posto de compositor residente, que vai escrever obras para os concertos do grupo ao longo do ano. A escolha foi acertada, recaiu sobre André Mehmari que, entre outras peças, vai escrever um "Concertino para Piano e Banda" a ser estreado pelo pianista Ricardo Castro. Vamos à programação completa:

Concerto lírico comemorativo aos 453 anos da cidade e à abertura da exposição sobre os 90 anos do Teatro São Pedro, dia 25 de janeiro, às 19 horas, grátis: Obras de Carlos Gomes, Puccini, Mozart, Offenbach, Verdi e Wagner em transcriões de Luís Gustavo Petri, Robert E. Foster, Alexandre Travassos, Herbert Clarke e Theo Moses-Tobani. Adriana Clis e Magda Painno, meio-sopranos; Mônica Martins, soprano; Rubens Medina, tenor; Abel Rocha e Érika Hindrikson, regência. Teatro São Pedro.

Temporada de assinaturas

Dia 11 de abril
Airto Moreira, percussão
Abel Rocha, regência
Abertura inédita de André Mehmari; "Sinfonia nº 4", de David Maslanka; seleção de peças de Airto Moreira.

Dia 9 de maio
Evguenia Popova, violino
Ira Levin, regência
"Abertura Dramática", de Alexandre Travassos; "Concerto nº 1 para Violino", de Shostakovich; "Sinfonia para Sopros" e "Suíte O Pássaro de Fogo", de Stravinski.

Dia 13 de junho
Celso Frateschi, ator
Rafael Sanz-Espert, regência
"Othello" e "Hamlet", de Alfred Reed; obra inédita de André Mehmari.

Dia 15 de agosto
Cristina Ortiz, piano
Abel Rocha, regência
Repertório a definir.

Dia 20 de setembro
Celine Imbert, soprano
Abel Rocha, regência
Abertura da ópera "Fosca", de Carlos Gomes; canção inédita de André Mehmari; Abertura de “A Força do Destino”, de Verdi; "A Voz Humana", de Poulenc

Dia 17 de outubro
Carlos Malta e o grupo Pife Muderno, sopros
Érika Hindrikson, regência
Obras de Carlos Malta

Dia 21 de novembro
Ricardo Castro, piano
Abel Rocha, regência
Estréia mundial do "Concertino para Piano e Banda", de André Mehmari.

Informações sobre assinaturas, clique aqui.

o que funciona?

“Novas óperas. O que funciona?” Anthony Tommasini, do New York Times, escreveu um artigo analisando, a partir da recente estréia de “The First Emperor”, de Tan Dun, as novas obras criadas para os palcos americanos nos últimos anos. "O sucesso de qualquer ópera nova depende bastante de sua viabilidade teatral. A obra consegue ocupar o palco? O ritmo dramático está correto? A ópera conta uma história, cria personagens cheios de vida? Estas questões são importantes. Mas, como muitos fãs, eu ainda vou ao teatro para ouvir grande música”, escreve o crítico-chefe do jornal, explicando a recepção a “The First Emperor” e comentando o que está por vir – o teatro já anunciou a encomenda de uma nova ópera para o compositor sensação do momento Osvaldo Golijov. Vale a leitura.

terça-feira, 16 de janeiro de 2007

giulio cesare




Hoje, no Estadão, comentário de Lauro Machado Coelho sobre DVD com a produção de "Giulio Cesare", de Haendel, assinada por David McVicar e William Christie.


Tem-se discutido muito a tendência recente dos encenadores de ópera a retirar a ação de seu contexto original, debatendo o que pode e o que não deve ser modificado (um Pagliacci transposto para o Rio de Janeiro no ano passado ainda preserva o essencial de sua mensagem, enquanto o Don Carlo, fora de sua moldura histórica, fica sem pé nem cabeça). Munição nova para esse debate é trazida pelo "Giulio Cesare", de Haendel, montado por David McVicar no Festival de Glyndebourne, em junho de 2005 (Opus Arte). A ação passa-se no Egito, mas na fase final da Era Victoriana, de apogeu do império colonial britânico. Júlio César vê-se convertido num militar inglês que intervém no reino do Egito, certamente para preservar a dominação de seu país sobre aquela região estrategicamente fundamental. Pode, à primeira vista, parecer despropositado, mas a fluência da direção e a alta qualidade do elenco e da direção orquestral de William Christie fazem desse "Giulio Cesare in Egitto" um espetáculo muito estimulante.




Não se pode dizer que a proposta de McVicar seja original: ela retoma a idéia básica de uma encenação de Peter Sellars, em Dresden, em 1990. Nela, Júlio César era o presidente dos EUA, que vai ao Egito durante uma das freqüentes crises no Oriente Médio. As ousadias daquele espetáculo – o conflito árabe israelense como pano de fundo, as alusões explícitas ao terrorismo, aos petrodólares, ao tráfico de drogas, e à intromissão da CIA em assuntos internos de um país soberano – dão um caráter de antecipação a uma montagem muito anterior à primeira guerra EUA-Iraque.O espetáculo de McVicar não é politicamente tão provocativo quanto o de Sellars, embora não deixe de ter alusões claras à dominação do mais forte. Mas tem, em comum com a montagem de Dresden, o tratamento bem-humorado dado à figura de Cleópatra (lá, Susan Larson; aqui Danielle de Niese, jovem, bonita, sensual). Ambas estão a léguas da Cleópatra séria e bem comportada representada por Valerie Masterson no "Julius Caesar" da ENO (em que o papel-título é feito por Janet Baker).




Tem muito bom rendimento a nítida empostação de musical americano dada a uma ária como “Da tempeste il legno infranto”, que De Niese canta-dança secundada por suas damas de companhia. Esse é um recurso que McVicar estende a outras personagens também: é assim que encena “Chi perde un momento”, a ária do eunuco Nireno (o contra-tenor Rachid bem Abdeslam). Embora essa alternância de sério e cômico não pertença à fórmula da opera seria metastasiana, aqui ela funciona muito bem.O elenco é de primeira. A mezzo Sarah Connoly, caracterizada de uma maneira que a faz ficar masculinizada, perfeita num papel que originalmente foi escrito para o castrato Senesino, domina muito bem as exigências de um papel diabolicamente difícil, em especial na ária “Qual torrente che cade del monte”. Com ela também McVicar faz brincadeiras de bom rendimento. A aflição de Cleópatra e de Cúrio em ver César fugir do palácio, pois sua vida corre perigo, enquanto ele insiste em acabar de cantar a longa ária da capo “Al lampo dell’armi!”, toca num dos pontos nevrálgicos da opera seria: as interrupções para expressar os affeti em árias intermináveis, que eram bastões entravando as rodas da ação. Na vertente séria da ópera, é notável o trabalho de Angelika Kirchschlager como Sesto; e de Patrícia Bardon como Cornelia, sua mãe e viúva de Pompeu, atraiçoado por Ptolomeu, que o manda matar e oferece a César a sua cabeça. O faraó, irmão de Cleópatra e seu rival pelo poder, é feito com muita precisão pelo contra-tenor Christophe Dumaux. A cena de sua morte, trucidado por Sesto e Cornelia e, depois, retirado de cena, pelos faxineiros que fazem a limpeza do palácio, e o levam embora como um saco de lixo, é de uma violência e ironia explícitas muito forte.




A esse bom elenco, junte-se o trabalho de William Christie à frente da Orchestra of the Age of Enlightement. Em suas mãos, o papel da orquestra não é a de mera acompanhadora. Christie consegue fazer dela uma protagonista, ao ressaltar, com cuidados de ourivesaria, as diversas filigranas da escrita haendeliana. Dentro de uma disco-videografia que conta com interpretações notáveis como a de sir Charles Mackerras ou a de René Jacobs, confesso nunca ter ouvido a partitura tocada de forma a adquirir tal relevo.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2007

ópera comentada

Saiu a programação do primeiro semestre da Série Ópera Comentada da Cultura Inglesa, com comentários de Lauro Machado Coelho. Lá vai:

Março - Série Grandes Intérpretes
dia 3 - Trovatore: Plácido Domingo
dia 10 - Bohème: Luciano Pavarotti
dia 17 - Barbiere: Hermann Prey
dia 24 - Mefistofele: Samuel Ramey
dia 31 - Werther: Thomas Hampson

Abril - Série Rossini Cômico e Sério
dia 7 - Cenerentola
dia 14 - Tancredi
dia 21 - Viaggio a Rheims
dia 28 - Mosè e Faraon

Maio - Série Óperas Raras
dia 5 - Albéniz - Merlin
(em maio só há uma sessão porque a Cultura Inglesa reliza o seu festival)

Junho
dia 2 - Weber - Euryanthe
dia 9 - Glinka - A Vida pelo Tsar
dia 16 - R. Strauss - Dafne
dia 23 - Poulenc - O Diálogo das Carmelitas
dia 30 - Schreker - Die Gezeichneten (Os Estigmatizados)

Julho
Reapresentação, a pedidos, da tetralogia do Anel do Nibelungo. Versão do Metropolitan com regência de James Levine

ópera no cinema

Essa vem do escritório de Nova York da Associated Press. O Metropolitan Opera inaugurou em sua atual temporada um novo estilo de transmissões de suas principais produções: elas são exibidas simultaneamente em cerca de 100 salas de cinemas nos Estados Unidos e Canadá. A coisa funciona da seguinte maneira: nas principais cidades dos dois países, você compra um ingresso, cerca de US$ 18, e assiste ao vivo no cinema à ópera que está sendo apresentada no teatro. Ontem, a atração era “The First Emperor”, de Tan Dun, com Plácido Domingo; a próxima é “Eugene Oneguin”, no dia 24 de fevereiro, com Renée Fleming, Dmitri Hvorostovsky e Valery Gergiev. Segundo Peter Gelb, novo diretor do teatro, “iniciativas como essa criam e desenvolvem platéias, conectando o Metropolitan com seus fãs em todo o país de uma maneira antes impossível”. A primeira experiência aconteceu em 30 de dezembro, com transmissões da "Flauta Mágica" – e a média de ocupação das salas foi de 91%, sendo que Nova York, Los Angeles, Chicago, Boston, Miami e Washington tiveram lotações esgotadas.

domingo, 14 de janeiro de 2007

ramon vinay - vídeo

Em comentário sobre o post referente à Sieglinde da soprano Birgit Nilsson, o Lauro falou do Ramon Vinay, um grande tenor de voz abaritonada - ele chegou mesmo a cantar como barítono. No You Tube, você encontra um vídeo com o final do dueto do segundo ato de "Tristão e Isolda" em que ele contracena com a soprano Marta Mödl. A apresentação, segundo o crédito do site, é de 1958, no Carnegie Hall, com a Filarmônica de Nova York regida por ninguém menos que Leonard Bernstein. Para assitir, clique aqui. Também no You Tube, da mesma apresentação, cena do terceiro ato. Para assistir, clique aqui.

magdalena kozená


Tá certo que o ano Mozart terminou. Mas só agora tive a oportunidade de ouvir um de seus melhores desdobramentos – um disco com árias de óperas interpretadas pela mezzo-soprano Magdalena Kozená (Orchestra of the Age of Enlightenment, regência de Simon Rattle). A cantora está listada na matéria em que Irineu Franco Perpétuo fala das novas estrelas do canto lírico, que unem belas vozes à graça e beleza (“O Canto e as Sereias”, edição de janeiro da revista Bravo! atualmente nas bancas). Foi lendo ele, aliás, que descobri que ela e Rattle são casados. Mas, enfim, de volta ao disco. Ou, melhor, aos discos. Há uns dois anos ouvi a voz de Kozená pela primeira vez em um álbum dedicado a canções do século 20 (Deutsche Grammophon). O que mais me impressionou, além da voz, foi a inteligência na hora de montar o repertório, que intercalava e propunha o diálogo entre obras de Shostakovich, Britten, Janácek e uma série de autores franceses. Em uma entrevista de dois anos atrás, o barítono Dietrich Fischer-Dieskau se dizia preocupado, no que diz respeito ao lied, por não ver mais recitais dedicados a um só compositor. Segundo ele, os cantores só querem saber de programas temáticos repletos de fragmentos que impedem uma percepção maior da importância que as canções têm nas obras de alguns compositores, formando eixos fundamentais para se compreendê-los. Quem sou eu para discordar de Fischer-Dieskau, ainda mais no que diz respeito ao lied. Mas ainda acho que, se forem bem feitos, recitais temáticos podem oferecer olhares dos mais interessantes sobre a vida musical de determinada época, por exemplo – e é o caso do disco de Kozená. Bom de volta a Mozart, ela interpreta trechos de “As Bodas de Fígaro”, “Cosi Fan Tutte”, “La Clemenza di Tito” e “Idomeneo”. Estão lá as árias mais célebres, como “Deh vieni non tardar”, “È amore un ladroncello”, “Padre, germani, addio!”. Mas alguns grandes sucessos aparecem de maneira diferente. A balada “Voi che sapete”, do jovem Cherubino, por exemplo, vem na versão repleta de ornamentações de Domenico Corri, que em 1810 publicou um guia sobre como cantores deveriam “decorar” as árias para aumentar seu potencial expressivo. Outra curiosidade do disco: das "Bodas", ela interpreta "Al desio di chi”, ária que substituiu “Deh vieni non tardar” na apresentação de 29 de agosto de 1798 em Viena a pedido da soprano Adriana Ferrarese, que mais tarde criaria o papel de Fiordiligi em “Cosi Fan Tutte”. Tudo isso, no entanto, não seria de grande valia se não fosse pelo talento de Kozená. A voz é agil, repleta de coloridos, ela esbanja sensualidade quando precisa, sabe balancear tragédia e comédia. Para mim, os pontos altos são a ária “In uomini, in soldati”, de Despina (Cosi), e a ária “Padre, germani, addio!”, de Ilia (Idomeneo). Mas, entre elas, há muito para agradar o amante das belas vozes. Em tempo: o selo é o Archiv e, no site da Amazon, dá para ouvir alguns trechos do disco. Clique aqui.

a sieglinde de birgit nilsson

Não sou homem de uma só Sieglinde. No começo, achei que era. A minha paixão? Regine Crespin, de delicadeza insuperável, na gravação que Solti fez da "Valquíria" nos anos 60 para a Decca. Mas o tempo me apresentou Gundula Janowitz, Leonie Rysanek, Gre Brojwenstein, Jessye Norman, Deborah Voigt, Alessandra Marc, Violeta Urmana, Waltraud Meier, Julia Varady, etc, etc, etc. Recentemente, somei à lista Lotte Lehmann, em uma gravação do primeiro ato feita com o tenor Lauritz Melchior e o maestro Bruno Walter. E aí sou obrigado a reconhecer: não consigo ser fiel; e o que era paixão virou tara. Estou sempre atrás de novas intérpretes. E qual não foi a minha surpresa ontem ao me deparar com uma "nova" Sieglinde, da qual não tinha notícia - a de Birgit Nilsson. A gravação faz parte de uma seleção de registros ao vivo de óperas de Wagner e Strauss realizadas nos anos 40, 50, 60 e 70 em teatros como a Ópera de Estocolmo, o Colón de Buenos Aires, a Casa do Festival de Bayreuth, a Ópera de Munique. A Sieglinde em questão vem de uma "Valquíria" de 1953 em Hamburgo, da qual é reproduzida toda a seqüência final do primeiro ato a partir de "Scläfst du, Gast?". Tudo bem, de cara vale dizer que a voz soa às vezes pesada para o papel - e o mesmo vale para os trechos de "Lohengrin" e "Tannhäuser" na mesma coleção (se bem que ouvir a Varnay como Ortrud sob regência de Eugen Jochum compensa...). Mas ela faz um "Du bist der lenz" extremamente convincente. E o parceiro no palco é o grande heldentenor sueco Set Svanholm. Na mesma coletânea, você encontra um dueto do "Siegfried" ao lado de Hans Hopf e a cena final do "Crepúsculo", ambos com regência de Rudolf Kempe. O disco dedicado a Strauss é outro banquete: trechos de uma "Ariadne" em sueco ao lado de Elisabeth Söderstrom e Hjördisch Schymberg (?); de uma "Salomé" feita no Teatro Colón com Fritz Uhl como Herodes; de uma "Elektra de Munique", regência de Sawallisch; e de uma "Mulher Sem Sombra" ao lado de Theo Adam e Astrid Varnay. O selo é o Gala e no site deles há referência a um CD com o primeiro ato completo da "Valquíria".

toscanini - a lenda eternizada

Lauro Machado Coelho faz no suplemento "Cultura" do Estadão de hoje interessante análise sobre o legado do maestro Arturo Toscanini, morto há 50 anos. Para ler, clique aqui.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2007

maestro novo no pedaço


Um nome que eu, particularmente, não conhecia. Mas no qual, pelo jeito, vale a pena ficar de olho. A Ópera de São Francisco anunciou hoje de manhã que o italiano Nicola Luisotti será seu novo diretor musical e regente titular a partir da temporada 2009/2010, substituindo o maestro Donald Runnicles. Segundo a direção do teatro, “ele é o diretor musical ideal para o novo passo na vida da companhia: um artista apaixonado, especialmente experimentado no repertório italiano”. Luisotti estudou canto e piano e começou sua carreira profissional trabalhando como pianista no Scala e cantando no coro do Maggio Musicale de Florença. Como maestro, deu seus primeiros passos também em Milão, sob orientação de Riccardo Muti e Lorin Maazel, até assumir seu primeiro posto, regente do coro do Teatro La Fenice. Em 1999, tornou-se diretor do Teatro Verdi de Salerno. Sua estréia fora da Itália foi em 2002, com um ‘Trovatore’ na Ópera de Stuttgart. A estréia no Metropolitan de Nova York foi em outubro, regendo uma série de Toscas. Seus próximos compromissos incluem récitas no Covent Garden (‘Trovatore’ e ‘Butterfly’), Ópera de Viena (‘Simon Boccanegra’) e o Teatro Real de Madri (‘Trovatore’). Dando uma olhada na internet, achei referência a uma gravação feita por ele, um Stiffelio gravado ao vivo no Teatro Lírico Giuseppe Verdi de Trieste para o selo Dynamic Italy. No site da Amazon, dá para ouvir alguns trechos.

terfel, heppner e voigt no novo anel do met

Peter Gelb, o novo diretor do Metropolitan de Nova York, anunciou no fim de semana os primeiros nomes do elenco que vai participar da nova produção do teatro para o ‘Anel’ de Wagner, que tem estréia prevista para a temporada 2010-2011. A soprano Deborah Voigt será Brünhilde, o tenor Ben Heppner cantará Siegfried e o baixo-barítono Bryn Terfel será Wotan. A regência é de James Levine; e, a direção, do canadense Robert Lepage, que promete “evocar a dramática e mítica costa da Islândia”. “Em uma época em que o aquecimento global e as mudanças climáticas nos fazem mais conscientes da fragilidade de nosso solitário planeta, o poder romântico do 'Anel' de evocar as forças conflitantes entre o homem e as divindades da natureza faz bastante sentido”, disse o diretor em uma entrevista sobre seus planos para a montagem. “Quando você encena obras como o ‘Anel’ não se trata apenas de criar uma nova produção, você precisa criar um novo mundo que explique o antigo.”

terça-feira, 9 de janeiro de 2007

entrevista com renee fleming

Peter Conrad, do "Guardian", fez uma bela entrevista com a soprano Renée Fleming sobre sua carreira e o novo disco, The Age of the Diva. Para ler, clique aqui.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2007

mas, qual a orquestra? e o maestro?

Quem costuma procurar óperas, sinfonias, obras de câmara, enfim, o que seja, na internet para fazer download já se deparou com este problema: lá estão os nomes da obra ("Sinfonia nº 9") e do artista (Beethoven). Mas, e o resto? Quem rege? Qual orquestra? Qual o ano da gravação? São informações que, para os melômanos, fazem toda a diferença do mundo. Só que a configuração dos principais sites de download e aparelhos como o iPod não comporta maiores informações. Eles organizam as faixas por nome da obra, artista e título do álbum. Para a música clássica, o sistema não serve: o nome do álbum normalmente é o nome das peças executadas e o sistema coloca como artista o compositor e não o intérprete. Por isso, uma empresa chamada Gracenote Inc., que opera bancos de dados para sites como o iTunes, acaba de anunciar que desenvolveu um novo critério para a música clássica, oferecendo recursos técnicos que permitam a presença de campos para todas as informações necessárias. Segundo a agência de notícias Reuters, cerca de 10 mil faixas já foram refeitas seguindo o novo modelo.

caballé, don carlo

Outro dia assisti a um documentário sobre a soprano Montserrat Caballé. O filme é muito bem feito. É ela mesma quem conduz a cena, relembrando os principais momentos da carreira, voltando aos palcos e locais mais importantes de sua trajetória artística, falando abertamente de sua vida pessoal e de temas espinhosos como o fato dela ter participado muito pouco da educação dos filhos, deixados com os avós enquanto ela e seu marido, o tenor Bernabé Martí, viajavam pelo mundo. O documentário tem ainda diversas cenas suas no palco, além de depoimentos de colegas como Elena Obrastzova, Plácido Domingo, Zubin Mehta, que revelam uma figura extremamente bem-humorada e divertida. Sempre gostei muito da Caballé mas às vezes tenho a impressão de que ela não tem o reconhecimento que devia. Nem todo mundo acerta sempre – existe um disco de duetos em que ela canta com uma série de artistas populares que é puro mau gosto, seja nos arranjos, seja no repertório escolhido. Mas quando ela acertava, rapaz.... Depois de ver o documentário, fui ouvir o Don Carlo, de Verdi, que ela gravou com o Domingo (regência de Carlo Maria Giulini/EMI Classics). Para quem não conhece, a ópera narra a história de amor entre o herdeiro do trono espanhol, Carlo, e a princesa Elisabetta, da França – os dois se apaixonam mas são obrigados a reprimir este amor quando o rei espanhol Felipe II, pai de Carlos, resolve ele mesmo se casar com a princesa. Don Carlo é minha ópera do coração. E confesso que ainda não ouvi um dueto final mais emocionante e apaixonado que o gravado por Caballé e Domingo. Tudo bem, naquele momento os dois chegam enfim à conclusão de que aquele amor é impossível – e que devem abrir mão dele ao menos por enquanto, esperando o reencontro em um “mundo melhor”. É a mais pura resignação, mas em nenhum momento a música de Verdi deixa de sugerir exatamente o contrário. O dueto, ao falar da necessidade da separação, é uma das mais belas declarações de amor de toda a história da ópera. A propósito, o documentário que, afinal de contas, era o tema da mensagem, chama-se "Beyond Music" e foi lançado pela EuroArts.

tibiriçá deixa sinfônica de campinas

Roberto Tibiriçá deve deixar ainda em janeiro a Sinfônica de Campinas apenas três meses depois de ter assumido o posto de regente titular da orquestra. Segundo o jornal Correio Popular, a carta de demissão está pronta e deverá ser entregue ao diretor administrativo da OSMC, Arthur Achilles, assim que ele retornar de férias nas próximas semanas. Segundo Tibiriçá, a decisão foi motivada pela presença de “muito cacique para pouco índio”. É que, além de Tibiriçá, a Sinfônica de Campinas tem os maestros Karl Martin como regente principal e Carlos Fiorini como regente assistente. Após programar os concertos de 2007, Tibiriçá foi avisado de que precisaria fazer alterações a pedido de Martin. “Quando achei que temporada estava fechada, com a confirmação da vinda dos solistas e regentes convidados, o Arthur Achilles me manda um e-mail com alterações na programação, feitas por Karl Martin, que pediu mais datas para reger em Campinas, sendo que o combinado era de que ele viria duas vezes à cidade, no primeiro e segundo semestre de 2007. Eu não aceitei. É ele (Karl Martin) quem manda? Então, fiquem com ele”, disse ele à repórter Carlota Cafiero, que tentou ouvir os demais envolvidos mas não conseguiu encontrá-los antes do fechamento de sua edição.