segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

idomeneo em berlim - enquete


Há um momento na ópera “Idomeneo”, de Mozart, em que o protagonista anuncia a morte dos deuses. Ele está se referindo a Netuno. Mas, preparando uma produção da obra para a Deutsche Oper de Berlim, o diretor Hans Neunfels teve uma idéia e, neste momento da ação, enfileira no palco as cabeças de Netuno, Jesus, Buda e Maomé. O objetivo, explicou, era evidenciar “a tentativa do protagonista de se libertar da ditadura dos deuses”, fazendo, claro, alusões ao momento atual. A produção estreou em 2003 e a cena não gerou muita polêmica a não ser por alguns discretos comentários de reprovação enviados por representantes das comunidades cristã e budista de Berlim. Em setembro, porém, a ópera seria remontada. Mas o telefone da Deutsche Oper tocou, anunciando anonimamente uma “possível reação negativa de grupos radicais islâmicos à montagem”. A diretora do teatro, Kirsten Harms, resolveu cancelar as apresentações. E o caos se instarou. “A autocensura é uma coisa inaceitável”, disse a chanceler Angela Merkel, até porque, no mesmo dia do cancelamento, ela havia proferido um discurso inflamado conclamando “os alemães a lutar contra qualquer ameaça à liberdade de expressão e a preferências religiosas”. “Isso é loucura. Isso é inaceitável”, completou o ministro do Interior Wolfgang Schaeuble. Pois bem, voltou-se atrás e hoje a produção, que havia sido substituída por récitas de As Bodas de Fígaro, subiu enfim ao palco, sob um forte esquema de segurança – além de revistas na entrada do teatro, cada membro da audiência recebeu instruções sob possíveis rotas de fuga no caso de algum incidente. O que sobra desta história – ao menos por enquanto, já que a récita ainda está rolando enquanto escrevo este post – é o debate: foi correta a decisão da Deutsche Oper de cancelar a produção, pensando, como anunciado, na segurança da platéia? Ou tratava-se de um risco que o teatro precisava correr em nome da liberdade de expressão? Ou ainda: nada disso teria acontecido se o diretor tivesse se limitado ao original de Mozart. O que vocês acham?

2 comentários:

Anônimo disse...

desejar muito dizer o que quer e morrer por isso não acho muito produtivo. salman rushdie "desapareceu" por anos para sobreviver. acho que para proteger as pessoas, deve-se fazer silêncio mesmo. não é ir contra a liberdade de expressão e sim proteger a expressão para ela continuar em outro lugar ou de outra forma. beijos, pedrita

Rodrigo disse...

Claro que se o autor não tivesse ido além do original nada disso aconteceria. Mas não é esse o ponto, e eu acredito que a (pouca) liberdade que existe precisa ser defendida a qualquer custo. A intolerância é um problema dos dias de hoje, e não se pode baixar a cabeça frente a ameaças desse tipo, especialmente na arte, como ocorreu há algum tempo aqui no Brasil com aquela obra do terço que foi suprimida de uma mostra. É preciso ser intolerante com a intolerância, especialmente a religiosa.