segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

música em heliópolis

Falei agora há pouco com o maestro Roberto Tibiriçá, que me ligou para contar novidades sobre o projeto que ele tem desenvolvido com a comunidade carente da favela de Heliópolis, aqui em São Paulo. Eles vão se apresentar no dia 16 no Teatro Municipal de São Paulo e no dia 22 no Municipal do Rio - nas duas ocasiões, o solista será o pianista Arnaldo Cohen. Há cerca de um ano atrás, estive em Heliópolis com Tibiriçá para preparar uma matéria sobre a volta dele a São Paulo - naquele momento, ele voltava do Rio, onde dirigiu a Petrobrás Sinfônica, e assumia a direção da Sinfônica de Heliópolis, ligada ao Instituto Bacarelli, que há décadas oferece educação musical para jovens carentes da favela, uma das maiores da América Latina. Aquela visita me impressionou muito. A matéria jornalística era de primeira grandeza: eles me mostraram o terreno em que iriam construir uma moderna sala de concertos, bem no meio da favela, o que acaba gerando uma discussão interessante sobre a descentralização da cultura e sobre o próprio significado arquitetônico do prédio. Mas a visita foi também uma das mais importantes experiências pessoais pelas quais passei como repórter. Assisti ao ensaio do grupo, que interpretava o primeiro movimento da Quinta de Beethoven. E, mais tarde, conversei com Tibiriçá e o pessoal encarregado do projeto (alguns deles haviam se formado lá, inclusive). Eles falavam sobre os objetivos de se ensinar um instrumento a um jovem carente. Claro, todos eles são instrumentistas em potencial, podem encontrar na música uma profissão, um meio de vida. Mas há outro aspecto para o qual eles chamaram a atenção. Eles me contaram a história de um menino que entrou para o projeto com 9 anos de idade. Logo de cara, perguntaram a ele: "O que você quer ser quando crescer?". A resposta: "Eu queria ser médico, mas eu não vou ser médico, porque ninguém aqui na favela é médico." Ele começou a estudar violino. Anos depois, fizeram a ele a mesma pergunta. E a resposta: "Médico". O que isso tudo quer dizer? Foi a música que deu a este jovem o direito de voltar a sonhar. Tocar em uma orquestra fez ele se sentir parte de alguma coisa, fez ele ver que o seu trabalho pode fazer diferença. O trabalho em Heliópolis ficou para mim como exemplo do significado que arte pode ter na vida das pessoas, de como ela pode ser um instrumento da cidadania. Vai ser interessante reencontrar este pessoal.

5 comentários:

Anônimo disse...

puxa, que bacana, mais um blog de música. eu ouvi recentemente uma pessoa me falar desse projeto, mas não tão animado assim. ele se incomodava com esse perfil brasileiro de utilizar ações sociais como promoção de marketing. e o quanto a imprensa dá mais valor a um estilo mais sensacionalista ou oportunista e não a trabalhos consistentes. eu particularmente ainda não tenho uma opinião formada. acho que ações de música e com consistência é sempre bom. mas tenho que concordar que há um valorização muito grande a projetos com esse perfil, em detrimento de outros. o bom seria que todos ganhassem igual espaço na mídia. beijos, pedrita

joãosampaio disse...

oi, pedrita, você toca em uma questão importante. há um equívoco muito grande no nosso financiamento à cultura - de fato, projetos que unem arte e cultura a ações sociais viraram moda. muitos produtores já sacaram isso e sempre tentam incluir ações sociais em seus projetos porque acreditam ser mais fácil, desta maneira, conseguir patrocínio e exposição na mídia. E isso é perigoso: a arte acaba perdendo o seu valor como arte e só "vale" quando é acoplada a alguma outra coisa. no entanto, acredito que este trabalho do Instituto Bacarelli, até por existir há décadas, não faz parte deste modismo. no fundo, me parece que ele reforça o poder primeiro da arte, o de mexer com as pessoas, influenciá-las no seu dia a dia, provocando reflexões, idéias. quanto à mídia, você tem razão: projetos como esses não são mais ou menos importantes que os outros. e, portanto, não devem mesmo monopolizar as atenções.

Anônimo disse...

obrigada por esclarecer. realmente essa "moda" acontece e por a mídia valorizar mais a moda do que a consistência, é que permite distorções. torço para que vc esteja certo. beijos, pedrita

Leonardo Martinelli disse...

Aloha! Muito legal o blog! Agora ninguém segura esta juventude. Abração.

Anônimo disse...

Your blog keeps getting better and better! Your older articles are not as good as newer ones you have a lot more creativity and originality now keep it up!