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A revista “Veja” traz na edição desta semana um artigo de seu crítico de música Sérgio Martins sobre o maestro John Neschling e a Osesp. A proposta do texto é simples – chegou a hora de pensar em um substituto para Neschling. Os motivos para isso? Martins reconhece todos os feitos do maestro, a construção da Sala São Paulo, a reconstrução dos quadros artísticos da orquestra, a redefinição administrativa que levou à criação da fundação, a capacidade de manter o poder público como grande patrocinador ao mesmo tempo em que buscou e conseguiu apoio cada vez maior da iniciativa privada. No entanto, para Martins, a temporada 2008 recém-anunciada dá sinais de exaustão, estagnação – a orquestra estaria começando a se repetir no repertório, apenas dois ou três maestros e solistas de primeiro time estão entre os artistas convidados. Mais: na conta de Martins, entra também a própria regência, em sua opinião, burocrática de Neschling, que estaria contribuindo no processo de estagnação artística, impedindo o grupo de refinar a sua sonoridade. Em outras palavras: Neschling foi fundamental na reconstrução da Osesp, transformou a orquestra em paradigma na música clássica brasileira mas, enfim, chegou a hora de dar um passo para trás para que a orquestra siga adiante. Você pode ou não concordar com Martins. Mas a questão da sucessão de Neschling é importante na medida em que nos faz pensar na solidez institucional da Osesp. Conhecemos, não é de hoje, a rotina brasileira no que diz respeito a projetos artísticos. Nela, continuidade é palavrão. A cada mudança política, alteram-se também os dirigentes de teatros, orquestras. E os novos chefes, uma vez no cargo, deixam de lado tudo o que já foi feito e iniciam, do zero, sua gestão, querendo deixar a “sua marca” – o que, aliás, raramente acontece. E isso se dá porque os projetos não conseguem atingir, até por questão de tempo, uma solidez, uma rotina equilibrada de trabalho e de resultados que torne difícil a um sucessor derrubar aquilo que foi feito em gestões anteriores. Já dá para dizer sem problemas que a Osesp é um paradigma no cenário musical brasileiro, que atingiu metas jamais sonhadas por outras orquestras do país, seja no que diz respeito à sua estruturação executiva, seja na quantidade e qualidade de concertos. Na nossa conta, portanto, seria uma marca sólida o suficiente para sobreviver a uma mudança de chefia. No entanto, há algumas sutilezas que precisam ser levadas em consideração. Uma das características principais do processo de restauração da Osesp é a maneira como ele se confunde com a imagem do maestro Neschling. Seja pela personalidade forte do maestro, seja por campanhas de marketing habilmente construídas, associou-se nos últimos anos criador e criatura. Não por acaso o maestro tem sobrevivido às inúmeras batalhas, levadas a cabo por parte da crítica, pela classe musical e até mesmo por dois governadores e uma secretária de Cultura, para removê-lo da direção da orquestra; não por acaso, ele sobreviveu no cargo a episódios embaraçosos, como a demissão dos representantes dos músicos da orquestra ou, mais grave, a manipulação da lista de candidatos ao concurso internacional de piano promovido pela Osesp; e, finalmente, não por acaso, sempre que se fala em sucessão, personalidades do mundo artístico e membros do público se lançam contra a idéia, temendo o fim do projeto Osesp. É como se a saída de Neschling significasse, automaticamente, o fim da orquestra e do trabalho que ela vem desenvolvendo. Se é esse o caso, então algo está errado. Se a saída de Neschling significará o fim da Osesp, então a orquestra tem data para acabar? Quantos anos de Osesp ainda temos pela frente, então? Em um contexto como esse, apesar de todas as novidades que o projeto Osesp trouxe para o cenário musical brasileiro, ele insiste em um dos vícios desse universo e, por que não, de toda a vida pública brasileira – a personalização que deposita em uma só pessoa a esperança de salvação e enfraquece as instituições. A solução talvez seja um tanto paradoxal – ao mesmo tempo que o trabalho de Neschling ajudou a resgatar a Osesp, deve ser ele também o responsável por criar na orquestra a solidez que garanta sua existência depois de sua saída, sob o comando de outros maestros. Dez anos depois, está na hora de começar a pensar no assunto.