segunda-feira, 23 de julho de 2007
confusão
Não sei se a impressão é só minha, mas percebo que, quanto mais leio sobre a questão da indústria fonográfica de clássicos, menos consigo chegar a uma conclusão sobre o estado real do mercado. Alguns pontos já não se discute: as vendas caíram, o número de CDs lançados só cai, os repertórios se repetem, a crise das grandes gravadoras abriu espaço para selos menores, etc. Ao mesmo tempo, porém, ainda nos chegam notícias de novos contratos de exclusividade sendo assinados por selos como Decca e EMI Classics que, aliás, acaba de anunciar uma parceria com o Metropolitan para lançamento de DVDs. Os números também são confusos. Recentemente, o crítico Alex Ross publicou em seu blog uma pesquisa que mostra como a venda de CDs clássicos caiu vertiginosamente e passou a representar apenas 2% do mercado global de gravações nos EUA. Na Europa, porém, a situação se inverte, para não falar na Ásia, onde há um crescimento significativo. E há, claro, a internet. Os clássicos já representam, segundo pesquisa de 2006, 13% do mercado virtual de downloads. E leio agora na "Newsweek" um artigo que mostra como esse número só tende a crescer. A autora do texto conversa com analistas e chega à conclusão de que a música clássica é o gênero ideal para o comércio on-line. Os motivos? 1) a complexidade das partituras e, conseqüentemente, das gravações as tornam difíceis de serem pirateadas – em outras palavras, o cliente prefere pagar e conseguir um arquivo melhor do que sair em busca de arquivos gratuitos mas de qualidade inferior, o que tem levado até mesmo grandes conglomerados, ainda hesitantes quanto ao mercado virtual, a investir na venda de faixas clássicas; 2) enquanto a maioria dos amantes da música popular busca faixas dos mesmos artistas, no mundo clássico a lógica se inverte: de quase metade das 146.031 faixas que a Naxos disponibiliza em seu site foram vendidas apenas 10 unidades – o suficiente, no entanto, para representar um quarto do lucro da companhia, estimado em US$ 82 milhões; ou seja, os gostos são variados e é possível achar interessados para qualquer tipo de gravação. Até aí, tudo bem. O que me pega são as conclusões que se tira a partir deste quadro. Vá lá, há um contexto favorável para que as vendas aumentem – e esse aumento pode mesmo levar ao surgimento de novas estrelas clássicas, fenômenos de venda, como no passado. Agora, a terceira conclusão da jornalista da "Newsweek" e seus especialistas é que me pega: para eles, o mercado virtual vai trazer um novo público para a música clássica. Os números são mesmo interessantes. No ano passado, a BBC disponibilizou para download gratuito a integral das sinfonias de Beethoven. Foram 1, 4 milhão de acessos e pesquisa mostra que boa parte dos clientes é de jovens que estavam tendo seu primeiro contato com a música clássica. Agora, aí é que complica: o que nos leva a crer que este público vai passar a ocupar as salas de concerto mundo afora? Cito outra pesquisa, feita por um norte-americano. Não me lembro exatamente dos números, mas a idéia é a seguinte: ele analisou a faixa etária dos freqüentadores de concertos de 30 anos atrás e chegou a uma média de idade entre 35 e 40 anos; fez o mesmo hoje e chegou a uma média em torno de 65 anos – ou seja, trata-se do mesmo público; e, segundo ele, a porcentagem de novos ouvintes é irrisória. A pesquisa talvez exagere quando diz, por exemplo, que a falta de público fará com que, em menos de dez anos, metade das orquestras americanas feche suas portas. Mas... será mesmo exagero? Bom, paro por aqui. Não sei se ajudei em alguma coisa com essas linhas. Talvez tenha deixado vocês ainda mais confusos. Eu, com certeza, fiquei.
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6 comentários:
Oi, João! Pois é, acho que só saberemos com certeza pra que lado apontam essas tendências daqui a um tempo. Mas na tal matéria da Newsweek há algumas coisas bem interessantes - a primeira, o Roberts alega, justificando o sucesso da música clássica na rede, que não há categorização por estilo, e o carinha que vai procurar Britney Spears pode muito bem dar de cara com a Sarah Chang, ou o Bell, e gostar. No mundo online é muito mais possível que isso aconteça do que na TV, no rádio, nas ruas. Outra coisa é a perenidade das gravações - quantas pessoas vão querer, daqui a dez anos, baixar "Eu comi a Madona" da Ana Carolina? Mas uma peça bem gravada fica lá, competindo no mesmo nível das interpretações recém-lançadas. Mas é confuso mesmo. Talvez seja hora de pensar numa integração tipo metrô-ônibus para as gravações, aproveitando a possível conquista de novas orelhas e levando esses novos ouvintes aos eventos de música clássica de alguma maneira. Sei lá.
Oi, Lu, você lembrou um ponto importante que eu tinha deixado passar na matéria na Newsweek: a falta de categorização de fato pode levar as pessoas a chegarem em clássicos por acaso e, eventualmente, fazer com que eles voltem a este repertório. mas insisto em outra questão - como fazer com que essas pessoas se tornem consumidoras de concertos. Acho, na verdade, que isso está ligado a uma questão mais ampla do que a que coloquei. De alguma maneira, a música clássica perdeu sua representatividade como forma de arte. A minha geração (estou com 27 anos, para quem não sabe), ou ao menos a parte dela que se interessa por cultura e que em breve vai ser a classe média consumidora de arte, vai ao cinema, ao teatro, lê, fica atento às principais exposições... mas não vai a concertos. quer dizer, o cara fica sabendo de uma exposição de rembrandt no masp e vai correndo, mas não se abala quando a osesp ou o municipal anunciam uma integral das sinfonias de beethoven. e não estamos só falando dos grandes clássicos, dos pilares do repertório. monte uma exposição dedicada a picasso e lá se formam filas quilométricas; em contrapartida, não vejo ninguém correndo para garantir lugar na sagração do stravinski.
por que isso acontece? não sei. talvez o desaparecimento da educação musical? pode ser. mas isso pressupõe uma educação artística nas outras áreas, o que também não existe. o que sei é que beethoven tem tanto a nos dizer quanto uma tela de rembrandt. enfim, de volta ao ponto que você coloca: acho ótima a idéia da integração metrô-ônibus para as gravações. mas, pensando no anonimato e no individualismo característicos da internet, não consigo vislumbrar nem como identificar os possíveis passageiros. fase pessimista esta minha, não? vixe....
João o que leva as pessoas ao Masp para ver Rembrandt ou a Pinacoteca para ver Rodin eh o mesmo motivo que as leva para ver Miss Saigon... Uma boa divulgaçao. Vc faz um ótimo trabalho de divulgação no Jornal, mas, para atingir a juventude seria importante que outras mídias fossem acionadas. Seria importante que sempre que uma integral de Beethoven fosse apresentada estivesse uma câmera de TV la para entrevistar o maestro. Sempre que a Sagração da Primavera fosse tocada tivesse um repórter entrevistando os músicos. Isso não acontece no Brasil... eh muito raro vc ver algum espaço, mínimo que seja, dedicado a musica clássica nas principais TVs do Brasil. Alem disso muita propaganda... Sempre que temos uma exposição no Masp vejo anúncios na TV. Acho que se tivéssemos isso nossas salas de concerto lotariam com muita facilidade.
Agora... acho que a Internet esta ajudando sim, na divulgação da musica. Muitos jovens não tem condição de pagar R$ 50,00, R$ 60,00 ou ate R$ 100,00 em um CD importado. Acho que a Internet se tornou uma forma muito fácil para essa juventude ter acesso a musica clássica.
Alem disso a Internet trouxe algo que eu acredito facilita muito nesse contato. Não so as pessoas podem ter acesso mais fácil a musica, como tb., através de Blogs, Grupos e Sites de Relacionamento como o Orkut, conseguem uma troca muito grande de informaçao. Essa interação, não apenas com a musica, mas com pessoas que tb. estao ouvindo essa musica facilita a apreciação, ajuda a criar o habito e acredito que acaba levando muitos as salas de concerto. Existem de Grupos de musica clássica no Yahoo com centenas de milhares de pessoas de todo o mundo. Restringindo ao Brasil, temos comunidades do Orkut dedicadas a musica clássica com mais de 20 mil pessoas... A comunidade da Osesp possui quase 4 mil pessoas.... E a esmagadora maioria formada por jovens que se interessam, que buscam, que opinam e que, acredito, irão a uma apresentação se tiverem oportunidade.
Oi, João, oi Poletti
Bom que essa conversa renda muito -afinal,estou bem no meio do assunto como jornalista/assessora da área. Há realmente vários fatores aí, sendo o primeiro de todos a falta da educação musical, meu assunto preferido nos dias de hoje - como é que você vai gostar do que não conhece? Tem a sociedade imagética e velocíssima de hoje, onde a música (que obviamente não é visual e exige uma disponibilidade de tempo e de concentração maior do que se estimula naturalmente) não se encaixa. Tem a própria obsolescência programada da indústria cultural (que, como qualquer indústria, quer que se consuma muito e sempre - e a música não tem essa rapidez, leva-se anos para formar intérpretes, para compor peças, para fazer rodar a mercadoria no balcão). Enfim, a música clássica na Internet é novidade, por isso está aquecendo essa mídia. Toda a transformação da Internet - acesso individual à rede, interatividade - ainda vai ter muito a ser dicutido dentro da indústria cultural. Mas vai ficar no gueto enquanto as pessoas não se mobilizarem para se expor à transformação interna que a música propicia (como o Rembrandt - só que a tela está lá à disposição, para o timingo do consumidor. A música ao vivo, não. Ai, ai...
essa discussão me lembra o terror que a tv globo faz com a queda de ibope de suas novelas. ela tinha no passado quase 80% dos televisores ligados, depois 55%. hoje se o ibope cai de 30 pontos enlouquecem, sendo que a maioria só tem 3 pontos no ibope. queda mesmo? 30 pontos são muitos, mas muitos televisores ligados. o mercado vê através de números, e talvez tenha diminuído, e como a obrigação é sempre crescer e ganhar mais, piram e começam a fazer previsões, mas será que são realmente significativas? beijos, pedrita
Nesses meus cinqüenta e seis anos - mais do dobro do JLS - de freqüentador de concertos desde os 12 ( concertos para a juventude apresentados aqui, em BH, pelo finado e pranteado Sérgio Magnani semanalmente, aos domingos pela manhã, no auditório de uma escola, o Instituto de Educação) e de observador e consumidor de manifestações musicais que são feitas fora do Brasil, uma coisa que me espanta é o baixíssimo nível de compreensão do fenômeno musical, no Brasil, como um fenômeno que, ao lado da manifestação artística, tem um justo componente comercial/ empresarial, ou seja, os promotores de eventos, diretores de instituições, etc. - o mais das vezes fundações publicas - não conseguem pensar em tornar a manifestação artística em algo que produza lucro e que esse lucro possa ser revertido em novas produções e na ampliação do gosto e do público.
Parece que as pessoas - quase sempre nomeadas pelo poder público, durante o tempo em que o secretário de estado de cultura que os nomeou permanece no cargo - se contentam em não fazer nada, pois o pouco que fazem ( ou não fazem) já lhes garante os caraminguás do final do mês.
Me explico melhor: ninguém percebe, ou tem medo, de usar os recursos disponíveis de promoção, de divulgação, etc., para ampliar o seu público, para criar fidelidade, para facilitar as coisas para os consumidores. E depois reclama que o show de "a" ou "b" , de música popular, tenha conseguido 3 a 4 mil espectadores.
Ainda me explico melhor: aqui em BH - e acho que nas outras cidades é assim - um concerto não começa antes das 21h; você trabalha, vai em casa (fazer o quê entre 18h e a21h?) e fica com uma tremenda vontade de continuar no sofá, sentadinho sem sair da sala de televisão. Quase sempre as salas de concerto oferecem uma cafeteria de 2a classe, caríssima, com café requentado e água mineral quente, os programas são de 3o mundo, escritos por não sei quem (pensando bem, acho que a Sala São Paulo e a OSESP são uma tremenda exceção nesse pais) e a divulgação é pífia: você fica sabendo do evento porque um seu amigo que calhou ir ao lugar, ou passou na porta, te informa a respeito. Não existe uma programação feita para o ano ou com antecedência - é impossível se programar.
Já fui diversas vezes ao MET, ao Carnegie e Avery Fisher Hall e etc., em Nova Iorque; sempre soube do que iria assistir com um ano de antecedência, lá uma ópera ou concerto começa entre as 19h e 19h30min, você tem opções baratas de uma "soup and salad" e uma lojinha honesta onde você compra os Cds e Dvds do que vai assistir (não necessariamente com os mesmos artistas), camisetas, pins, bonés,etc., tudo ligado ao evento. E toma mídia em cima.....
Um artista da importância do Nelson Freire deu dois concertos em Bh, mês passado, patrocinados pela Unimed; um fechado ( tudo bem, para convidados ) e outro aberto ao público cuja divulgação foi .... nenhuma!!!; quem foi - e lotou o Palácio das Artes, mais de 1 200 pessoas - foi porque ficou sabendo de boca a boca; como o evento era financiado pela Unimed, para o PDA divulgar ou não o concerto, era bobagem; ter ou não casa cheia, era questão de 2a ordem.... divulgar-se, então, nem se fala.
Enfim, acho que os promotores, e os próprios músicos, acabam dando tiro em seus próprios pés: música é hábito, é gosto adquirido, seja música erudita , seja Chitaõzinho e Xororó.
Não sou ingênuo a ponto de querer que as manifestações culturais existam por si, sem a participação do poder público, que financia (e deve financiar) em grande parte os seus enormes custos, mas não seria possível instilar um pouco de competitividade e de práticas de mercado nesse mundo? E com gente competente para o fazer?
Fazer música erudita e não cuidar de "vender" e "entregar" bem e adequadamente o produto - como todos os demais músicos de todos os estilos e gêneros fazem - achando que a adesão acontece por geração espontânea, pelo “poder mágico” da música (que bobagem!!!) é o maior equívoco e o maior mal que se pode fazer àquela expressão artística.
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