Tá certo que o ano Mozart terminou. Mas só agora tive a oportunidade de ouvir um de seus melhores desdobramentos – um disco com árias de óperas interpretadas pela mezzo-soprano Magdalena Kozená (Orchestra of the Age of Enlightenment, regência de Simon Rattle). A cantora está listada na matéria em que Irineu Franco Perpétuo fala das novas estrelas do canto lírico, que unem belas vozes à graça e beleza (“O Canto e as Sereias”, edição de janeiro da revista Bravo! atualmente nas bancas). Foi lendo ele, aliás, que descobri que ela e Rattle são casados. Mas, enfim, de volta ao disco. Ou, melhor, aos discos. Há uns dois anos ouvi a voz de Kozená pela primeira vez em um álbum dedicado a canções do século 20 (Deutsche Grammophon). O que mais me impressionou, além da voz, foi a inteligência na hora de montar o repertório, que intercalava e propunha o diálogo entre obras de Shostakovich, Britten, Janácek e uma série de autores franceses. Em uma entrevista de dois anos atrás, o barítono Dietrich Fischer-Dieskau se dizia preocupado, no que diz respeito ao lied, por não ver mais recitais dedicados a um só compositor. Segundo ele, os cantores só querem saber de programas temáticos repletos de fragmentos que impedem uma percepção maior da importância que as canções têm nas obras de alguns compositores, formando eixos fundamentais para se compreendê-los. Quem sou eu para discordar de Fischer-Dieskau, ainda mais no que diz respeito ao lied. Mas ainda acho que, se forem bem feitos, recitais temáticos podem oferecer olhares dos mais interessantes sobre a vida musical de determinada época, por exemplo – e é o caso do disco de Kozená. Bom de volta a Mozart, ela interpreta trechos de “As Bodas de Fígaro”, “Cosi Fan Tutte”, “La Clemenza di Tito” e “Idomeneo”. Estão lá as árias mais célebres, como “Deh vieni non tardar”, “È amore un ladroncello”, “Padre, germani, addio!”. Mas alguns grandes sucessos aparecem de maneira diferente. A balada “Voi che sapete”, do jovem Cherubino, por exemplo, vem na versão repleta de ornamentações de Domenico Corri, que em 1810 publicou um guia sobre como cantores deveriam “decorar” as árias para aumentar seu potencial expressivo. Outra curiosidade do disco: das "Bodas", ela interpreta "Al desio di chi”, ária que substituiu “Deh vieni non tardar” na apresentação de 29 de agosto de 1798 em Viena a pedido da soprano Adriana Ferrarese, que mais tarde criaria o papel de Fiordiligi em “Cosi Fan Tutte”. Tudo isso, no entanto, não seria de grande valia se não fosse pelo talento de Kozená. A voz é agil, repleta de coloridos, ela esbanja sensualidade quando precisa, sabe balancear tragédia e comédia. Para mim, os pontos altos são a ária “In uomini, in soldati”, de Despina (Cosi), e a ária “Padre, germani, addio!”, de Ilia (Idomeneo). Mas, entre elas, há muito para agradar o amante das belas vozes. Em tempo: o selo é o Archiv e, no site da Amazon, dá para ouvir alguns trechos do disco. Clique aqui.
domingo, 14 de janeiro de 2007
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário