Abaixo, a transcrição da matéria publicada no Caderno 2 de hoje sobre a gravação do DVD com "A Floresta do Amazonas", de Villa-Lobos, pela Petrobras Sinfônica.
João Luiz Sampaio (enviado especial ao Rio) - Sábado, pouco depois das nove da noite, Teatro Municipal, a orquestra pronta no palco, fraques, vestidos de gala, o coro posicionado. Falta alguma coisa? O público, que já foi embora. É que o concerto mesmo acabou por volta das cinco da tarde. Apresentação atípica: a platéia toda colocada nas fileiras do centro; sobre ela, gruas de TV, câmeras espalhadas pelos corredores. No palco, A Floresta do Amazonas, de Villa-Lobos, sendo gravada pela primeira vez por uma orquestra brasileira, a Petrobras Sinfônica. À noite, as câmeras sobem ao palco, captam detalhes, os rostos dos músicos, o movimento dos braços, de um violoncelo, uma flauta. “A base já está pronta. Agora, quero refazer algumas passagens. Vamos começar com o número 11, pássaro na floresta”, diz aos músicos o maestro Isaac Karabtchevsky. E começa a corrigir a entrada dos violinos. Repassa o trecho uma vez, duas. “Atenção pessoal da técnica, vou refazer de 11 até 13. Quando estiverem prontos, me avisem.”
A gravação da Floresta do Amazonas é o primeiro movimento da comemoração pelos 20 anos da orquestra. É um grupo especial dentro do panorama sinfônico brasileiro, o único a ser gerido pelos próprios músicos. Programou para este ano uma temporada de concertos que inclui um festival Beethoven, a contralto francesa Nathalie Stutzman cantando o Kindertotenlieder, de Mahler (de quem o grupo toca também as sinfonias 6 e 9), o compositor polonês Krisztof Penderecki regendo seu Réquiem Polonês, uma série de música popular preparada por Wagner Tiso e concertos em São Paulo, Brasília, Manaus e Olinda. Mas, antes, o Villa-Lobos, que fará parte de um DVD sobre a trajetória do conjunto, que será lançado no segundo semestre. “Nenhuma obra dele me marcou tanto como A Floresta do Amazonas”, diz Karabtchevsky em seu camarim, saboreando uma salada entre o concerto e a sessão noturna de gravação. “É um Villa-Lobos moderno, que não perde seu contato com o folclore mas se deixa impregnar por Stravinski e as inovações do modernismo. Toda a história da música está aqui dentro. A série dodecafônica, o piano que lembra John Cage, as citações da nova corrente modernista, Ravel, Bartok. E de repente, tudo desaparece e dá lugar a uma melodia maravilhosa, a um orgasmo romântico”, diz.
Não é a primeira vez que Karabtchevsky grava Villa-Lobos. Nos anos 70, registrou a integral das Bachianas com a Sinfônica Brasileira, orquestra da qual era, então, diretor – e as mesmas obras ele vai fazer em abril na Venezuela, onde vai reger a Orquestra Jovem Simon Bolívar, resultado do trabalho de formação musical empreendido há 30 anos no país e que hoje atende mais de 200 mil alunos. O maestro, aqui, faz uma digressão. Na Petrobras Sinfônica, diz, tem a chance de corrigir o que, diz, fez errado na OSB. “Naquela época, trouxe muita gente de fora para tocar na orquestra. Errei. Poderia ter formado uma nova geração de artistas brasileiros, que hoje estariam espalhados por nossas orquestras. Já na Petrobras Sinfônica, a ênfase é no talento nacional, na formação de gente nova, o que tem tudo a ver com o projeto venezuelano e, claro, com aquilo em que acreditava Villa-Lobos, que criou uma proposta de educação musical que via a arte como instrumento de formação do cidadão. Esquecemos sua lição e hoje colhemos o fruto disso.”
E isso nos leva de volta à música de Villa. Não é só no seu projeto de educação, que instituiu o canto orfeônico como disciplina obrigatória nas escolas, que ficamos devendo a Villa. Conhecemos muito pouco de sua música, concorda o maestro. Por quê? “Preguiça, falta de curiosidade intelectual. Villa-Lobos ainda não foi bem explicado. Se por um lado se exalta sua preocupação nacionalista, de outro há um preconceito que reduz apenas a ela a importância de sua obra. Ele merece uma leitura mais profunda.” As cerimônias dos índios, a simulação de uma perseguição na floresta, o canto dos pássaros, tudo isso está recriado musicalmente, seja na orquestra, seja no canto da soprano solista (aqui, a carioca Mirna Rubin) em A Floresta do Amazonas, obra de 1959, a princípio escrita como trilha do filme Green Mansions, de Mel Ferrer – depois de ouvir a música para o cinema sofrer diversas alterações, Villa preparou esta nova versão, do jeitinho que queria. “Mas é importante anotar que Villa não se apropria de nada. O folclore e as manifestações indígenas aparecem em sua obra como referência, de maneira estilizada”, diz Karabtchevsky.
De volta ao palco. “Aqui tímpanos, contrabaixos e violoncelos não estão juntos, mas precisam estar”, diz o maestro, antes de se voltar aos violinos e violas, pedindo cuidado para acertar o tempo e, mais tarde, cuidar da entrada do coro, enquanto a violinista Antonella Pareschi corre para acertar o laço do vestido da soprano. Enquanto isso, na platéia, o diretor administrativo do grupo, Carlos Eduardo Prazeres, filho do criador da orquestra, o maestro Armando Prazeres, fala dos planos para 2007. Duas frentes de ação: a conquista de uma sede própria e a luta pela exclusividade dos músicos. A primeira delas, diz ele, está em andamento: a princípio, a idéia é usar algum prédio na Cinelândia – onde ficam o Municipal, a Biblioteca Nacional e o Museu de Belas Artes –, que ganharia tratamento acústico. “Mas a prioridade é a exclusividade. Para crescer precisamos de um novo regime de trabalho, com ensaios diários nos dois períodos”, diz Prazeres, pouco antes de, no palco, os índios voltarem à perseguição na floresta.
segunda-feira, 5 de março de 2007
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