segunda-feira, 5 de fevereiro de 2007

ira levin em brasília - crítica

Do Lauro: Recém nomeado regente titular da Sinfônica de Brasília, o maestro Ira Levin conduziu, no início da semana passada, os dois concertos de encerramento do 29º Curso Internacional de Verão, promovido pela Escola de Música da capital do País. E demonstrou à cidade o que pode esperar, tendo-o à frente de sua principal formação orquestral. O 29º Curso de Verão esteve perto de não se realizar, pois a administração anterior tinha negado a verba necessária para convocá-lo, alegando não querer deixar esse feito para o seu sucessor. A tenacidade do maestro Carlos Alberto Galvão, há anos diretor da EMB, que obteve do novo governador, José Roberto Arruda, os recursos necessários, permitiu que o curso fosse posto de pé em tempo recorde, garantindo a continuidade de um evento tradicional dentro da vida musical brasileira. Em meio aos diversos recitais de música vocal, instrumental e de câmara, realizados durante o 29º CIV, as duas apresentações mais importantes foram os concertos com a orquestra formada por uma centena de jovens bolsistas do curso (reforçada por nove professores como chefes de naipe). Não foi condescendente o programa a eles proposto por Ira Levin: peças de Villa-Lobos, Debussy, Mozart e Bruckner puseram à prova as habilidades dos instrumentistas. O obstáculo mais sério a vencer foi a acústica muito deficiente da Sala Villa-Lobos, a maior do Teatro Nacional Cláudio Santoro. Inteiramente forrada de carpetes, que absorvem o som, e apresentando, na parte traseira, atrás da última fileira de poltronas, de um imenso espaço vazio em que o som se dispersa, essa típica construção de Niemeyer faz a orquestra soar achatada, nebulosa, como se a estivéssemos ouvindo em um radinho de pilha. Isso afeta, naturalmente, o resultado da interpretação, em obras em que os requintes de instrumentação são tão importantes. No primeiro concerto, na segunda-feira, o Prelúdio e a Fuga das Bachianas nº 7, de Villa-Lobos, e L’Après-midi d’un Faune, de Debussy, foram acompanhados de uma coreografia bastante convencional, mas eficiente, de Giselle Santoro (a da peça francesa, em especial, nem de longe tinha a ver com o poema de Stéphane Mallarmé que inspirou Debussy). Foi bastante convincente a execução; mas o ponto alto da apresentação foi o Concerto nº 24 em dó menor K 491, em que Ira Levin se apresentou como solista e regente. Um dos dois concertos de Mozart em tom menor – o outro é o nº 20 – o K 491 tem uma intensidade emocional e uma riqueza, na combinação dos discursos do piano e dos instrumentos, que Levin soube explorar em todas as suas minúcias. Foi encantadora a cantilena do Larghetto, cuja delicadeza não chega a dissimular a tristeza subjacente. E foi muito bem trabalhada a originalidade formal do elaborado Allegro inicial e, principalmente, do Allegretto final, ao mesmo tempo tema com variações e rondó. Na quarta-feira, a orquestra se apresentou com a Sinfonia nº 4 em mi bemol maior “Romântica”, de Anton Bruckner. Foi admirável – em que pesem os inevitáveis desequilíbrios entre cordas e sopros – o rendimento obtido por Ira Levin na execução dessa peça, que submete às madeiras e metais – em especial as trompas – exigências muito pesadas. A clareza arquitetônica com que foi feito o complexo Allegro molto moderato inicial contrastou com a simplicidade e o lirismo do Andante, com suas delicadas combinações de cordas em legato e pizzicato. E o movimento tecnicamente mais difícil, o Scherzo, com suas fanfarras evocando a floresta e a energia de uma caçada, foi aquele em que a jovem orquestra se saiu melhor. O Finale da Romântica é um movimento mal resolvido, com muitas idéias belíssimas, mas demasiado fragmentado, com partes que se justapõem, sem se integrarem realmente. Ainda assim, foi exuberante a maneira como Levin conduziu o crescendo que leva à coda, na qual os trombones e as tubas, sobre as tercinas das cordas, reafirmam impulsivamente o tema gerador do primeiro movimento.

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